A Desoneração da Aquisição de Bens de Capital na LC 214/2025

A promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, um dos pilares da regulamentação da reforma tributária do consumo, marca um momento crucial para o ambiente de negócios brasileiro. Entre as diversas inovações e simplificações que buscam modernizar o sistema tributário, a desoneração da aquisição de bens de capital emerge como um dos pontos mais estratégicos para o fomento da produtividade e da competitividade nacional.

Para nós, profissionais da contabilidade e do direito tributário, compreender a fundo as nuances dessa desoneração, detalhada nos artigos 108 a 111 da LC 214/2025, é fundamental para orientar nossos clientes e extrair o máximo de benefícios do novo arcabouço fiscal.

Contextualizando a Reforma Tributária do Consumo e Suas Implicações

A reforma tributária do consumo, consagrada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela LC 214/2025, tem como objetivo principal simplificar a complexa teia de tributos sobre bens e serviços no Brasil. Com a unificação de tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS em um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), busca-se uma tributação com base no valor agregado, mais transparente e com menor distorção econômica.

Um dos pilares dessa nova sistemática é a não cumulatividade plena, que visa eliminar o “efeito cascata” da tributação, tão prejudicial ao ambiente de negócios no Brasil. Nesse contexto, a forma como a aquisição de bens de capital será tratada é decisiva para a capacidade de investimento das empresas e, consequentemente, para o crescimento econômico do país.

Desvendando a Desoneração: Artigos 108 a 111 da LC 214/2025

A Seção IV do Capítulo III do Título II do Livro I da LC 214/2025, sob a epígrafe “Da Desoneração da Aquisição de Bens de Capital”, delineia as novas regras, apresentando mecanismos para sua efetivação:

Art. 108: O Crédito Integral e Imediato –  O cerne da desoneração está no Art. 108, que assegura o “crédito integral e imediato de IBS e CBS, na forma do disposto nos arts. 47 a 56, na aquisição de bens de capital”. Isso significa que o valor total do IBS e da CBS incidente sobre a compra de um bem de capital (como máquinas, equipamentos, instalações, etc.) poderá ser abatido do débito dos mesmos tributos da empresa já no período de apuração em que a aquisição ocorreu. Este é um avanço significativo em relação ao cenário atual, onde a apropriação de créditos de ICMS sobre bens de capital (ativo imobilizado) é feita em 48 parcelas mensais (1/48 avos), e os créditos de PIS/COFINS seguem regras específicas de depreciação ou amortização dos bens, gerando atrasos e complexidades na recuperação.

Art. 109: Suspensão e Conversão em Alíquota Zero em Casos Específicos –  O Art. 109 traz uma alternativa ao crédito imediato, prevendo que “ato conjunto do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS poderá definir hipóteses em que importações e aquisições no mercado interno de bens de capital por contribuinte no regime regular serão realizadas com suspensão do pagamento do IBS e da CBS, não se aplicando o disposto no art. 108 desta Lei Complementar.” Isso pode ser particularmente relevante para investimentos de grande porte ou de longo ciclo. O parágrafo 2º detalha que “A suspensão do pagamento do IBS e da CBS prevista no caput deste artigo converte-se em alíquota zero após a incorporação do bem ao ativo imobilizado do adquirente”. Ou seja, o imposto não é pago no momento da aquisição, por conta da suspensão, mas o benefício se concretiza como alíquota zero após o bem ser integrado ao ativo, evitando o desembolso inicial. O parágrafo 4º estende essa possibilidade inclusive a empresas optantes pelo Simples Nacional que, de forma facultativa, se inscrevam no regime regular do IBS e CBS.

Art. 110: Alíquota Zero para Setores Específicos – Este artigo estabelece uma alíquota zero direta para categorias específicas de bens de capital (tratores, máquinas, implementos agrícolas e veículos de transporte de cargas), que serão listados em regulamento, visando incentivar as aquisições realizadas por  produtores rurais não contribuintes de que trata o art. 164 e pelos transportadores autônomos de carga pessoa física não contribuinte de que trata o art. 169, garantindo que o imposto não seja repassado no preço final desses bens, promovendo a modernização nesses setores cruciais.

Art. 111: Ampliação do Conceito de Bens de Capital – Por fim, o Art. 111 amplia o entendimento do que se considera “bens incorporados ao ativo imobilizado” para fins desta Seção, incluindo “aqueles com a mesma natureza e que, em decorrência das normas contábeis aplicáveis, forem contabilizados por concessionárias de serviços públicos como ativo de contrato, intangível ou financeiro”. Essa inclusão é vital para o setor de infraestrutura e serviços públicos, onde investimentos significativos são feitos em ativos que, embora intangíveis ou financeiros sob a ótica contábil, representam capital produtivo essencial.

Impactos Esperados nas Aquisições de Bens de Capital

A desoneração das aquisições de bens de capital, com seus diferentes mecanismos, promete transformar o cenário de investimentos no Brasil:

  1. Estímulo à Inovação e Modernização: A redução do custo tributário do investimento torna mais atraente a aquisição de tecnologias de ponta, equipamentos mais eficientes e sustentáveis, impulsionando a indústria 4.0 e a transição energética.
  2. Melhora no Fluxo de Caixa e Capital de Giro: A possibilidade de crédito imediato ou suspensão do pagamento libera recursos que antes ficavam comprometidos por longos períodos de recuperação de crédito. Isso fortalece o capital de giro das empresas e permite que o reinvestimento ocorra de forma mais ágil.
  3. Aumento da Competitividade: Empresas com custos de produção reduzidos devido à menor carga tributária sobre seus investimentos podem oferecer produtos e serviços mais competitivos no mercado interno e externo.
  4. Redução da Litigiosidade: A simplificação das regras de apropriação de créditos sobre bens de capital tende a diminuir as controvérsias entre contribuintes e fisco, comuns no sistema atual.

Como Essa Medida Influencia dia a dia do Profissional Contábil e do Tributarista

As mudanças introduzidas pelos artigos 108 a 111 da LC 214/2025 abrem um leque de oportunidades e desafios para nossa classe:

  • Consultoria Estratégica: Nosso papel migra cada vez mais da mera conformidade para a consultoria estratégica. Será essencial auxiliar as empresas na análise do melhor momento e da melhor forma de investir em bens de capital, considerando os impactos no fluxo de caixa e na rentabilidade.
  • Otimização da Gestão de Créditos: Embora mais simples, a gestão dos créditos de IBS e CBS exigirá sistemas e processos contábeis e fiscais bem alinhados para garantir que nenhuma oportunidade de crédito imediato ou suspensão seja perdida, e que a apuração seja precisa.
  • Especialização Setorial: A previsão de alíquota zero para setores como o agropecuário e o de transporte de cargas, demanda conhecimento aprofundado das particularidades de cada segmento para oferecer um atendimento de excelência.
  • Revisão de Planos de Negócios: Para empresas com grandes projetos de investimento, seremos os parceiros fundamentais na revisão de planos de negócios, incorporando os benefícios tributários para demonstrar a viabilidade e o retorno esperado.
  • Advocacia e Monitoramento: O acompanhamento dos atos conjuntos regulamentadores, da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS será vital, pois esses atos definirão as hipóteses de suspensão, lista dos bens de capital beneficiados e prazos específicos.

Exemplos Práticos: Da Teoria à Realidade Empresarial

Consideremos a “Alimentos Beta”, uma indústria de alimentos que decide investir R$ 5 milhões na compra de um novo maquinário de alta produtividade.

  • Cenário Antigo (ICMS 48 parcelas): Se o ICMS sobre esse maquinário fosse de 18% (R$ 900 mil), a recuperação levaria 48 meses, com R$ 18.750/mês. Isso “trava” o capital da empresa por anos.
  • Cenário Novo (LC 214/2025 – Art. 108): Com a LC 214/2025, supondo uma alíquota combinada de IBS/CBS de 27% (R$ 1.350.000), a Fábrica Alfa poderá se creditar do valor total de R$ 1.350.000 já no mês da aquisição. Isso representa um ganho imediato de fluxo de caixa e uma redução significativa do custo efetivo do investimento.

Outro exemplo é o “Produtor Rural João José”, que adquire um novo trator. No regime anterior, ele arcaria com o ICMS e PIS/COFINS embutidos no preço. Com o Art. 110 da LC 214/2025, o fornecimento ou a importação do trator para esse produtor rural não contribuinte terão alíquota zero de IBS e CBS. Isso significa que o produtor pagará um preço final menor pelo bem, sem o encargo desses tributos, incentivando diretamente a modernização do agronegócio.

Perspectivas sobre o Futuro da Tributação de Bens de Capital no Brasil

A desoneração da aquisição de bens de capital na LC 214/2025 é um marco que sinaliza o compromisso da reforma tributária do consumo, com o desenvolvimento industrial e a modernização da economia. Ao tornar o investimento mais “barato” e imediato do ponto de vista tributário, a expectativa é de um aumento no ritmo de atualização tecnológica das empresas, resultando em maior produtividade, eficiência e, em última instância, em um crescimento econômico mais robusto.

Para nós, profissionais, isso se traduz na necessidade de uma constante capacitação e na elevação do nosso papel para além do operacional. Seremos consultores estratégicos, parceiros indispensáveis na jornada de adaptação, durante o período de transição que já se inicia em 2026, e de prosperidade das empresas no novo cenário tributário. O futuro é de menos complexidade e mais estratégia na tributação dos bens de capital, e precisamos estar preparados para liderar essa jornada.

André Tenório, 25/08/2025.

@andretenorio.cont

@torresetenorio

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